Senadores e deputados federais tiveram a restrição do foro privilegiado. Essa medida impacta diretamente nos processos movidos contra esses parlamentares e – com a quantidade de acontecimentos políticos e sociais vividos atualmente no país – torna-se mais que necessário informar-se sobre a realidade da nossa Justiça Brasileira.
Pensando nisso, o Politize! fez esse texto para que você entenda quais foram as mudanças sofridas pelo direito ao foro especial de parlamentares. Lembrando que somente deputados federais e senadores sofrerão as mudanças, demais autoridades não tiveram seu direito alterado.
A RESTRIÇÃO DO FORO PRIVILEGIADO
O foro especial por prerrogativa de função (conhecido popularmente como foro privilegiado) foi restringido para deputados federais e senadores, no dia 3 de maio de 2018. O Superior Tribunal Federal, na sua quinta sessão sobre o assunto, decidiu que julgará somente crimes relacionados à função do parlamentar e apenas infrações penais cometidas durante seu mandato. A decisão valerá depois que for publicada no Diário da Justiça Eletrônico do STF (DJe).
Isso significa que crimes sem ligação com o cargo político e que foram cometidos fora do mandato parlamentar serão encaminhados para a justiça comum. Por exemplo: se um parlamentar federal cometer um crime de violência doméstica, ou seja, sem relação com sua atividade legislativa, será julgado pela justiça de 1ª instância, e não mais pelo STF, como era possível antes dessa decisão.
Sobre os casos que já se encontram no Supremo, a decisão de enviar o inquérito para outra instância partirá de cada ministro. Ou seja, cada componente do STF poderá autorizar o envio dos processos de sua relatoria para a justiça comum (varas de primeira instância, por exemplo).
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MAS O QUE É O FORO PRIVILEGIADO, AFINAL?
Antes de explicar a diferença entre o antes e o depois da decisão, vamos entender o que é o foro especial por prerrogativa de função. Como o próprio nome diz, trata-se de resguardar o exercício do cargo desempenhado por alguma autoridade, dando a ela o direito de ser julgada por instância jurídica superior.
Na prática, o foro especial impede que importantes cargos públicos sejam vítimas de ações indevidas (como, por exemplo, perseguições). Desse modo, o direito ao foro não está relacionado com a pessoa que exerce determinado cargo, mas se relaciona justamente com a importância que aquele cargo tem para a manutenção do Estado de Direito.
CERTO, MAS E COMO FUNCIONAVA ANTES DESSA DECISÃO?
Antes dessa decisão, qualquer crime praticado por parlamentares deveria ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que fosse cometido antes da eleição do parlamentar, mesmo que entrasse na categoria de “crimes comuns”.
Imagine que o deputado federal “A” fosse processado hoje por um crime de racismo, cometido antes de sua eleição. Nesse caso, ele teria direito ao foro, ainda que o crime tivesse sido realizado antes de assumir seu cargo. Portanto seu processo seria analisado pelo STF, fazendo valer seu direito ao foro especial (foro privilegiado).
Como aponta uma análise da FGV Direito Rio (Faculdade Getúlio Vargas) sobre o assunto, muitos dos processos encaminhados para a Suprema Corte não tinham ligação com a atividade legislativa desempenhada pelo acusado e nem haviam ocorrido durante o seu mandato público.
AS QUATRO DECISÕES TOMADAS PELO STF SOBRE A RESTRIÇÃO DO FORO PRIVILEGIADO
- A restrição do foro privilegiado foi decidida apenas para deputados federais e senadores, demais cargos públicos não sofreram alteração. Autoridades que também têm direito ao foro, como o Presidente da República, Ministros, Comandantes Militares, Governadores, Prefeitos, dentre tantas outras, não foram atingidas.
- O foro especial, no caso de deputados federais e senadores, valerá apenas para crimes cometidos no exercício de seu mandato. Exemplo: se um senador foi acusado de algum crime de responsabilidade em pleno exercício do seu mandato, ele terá direito ao foro.
- Para que o parlamentar tenha direito ao foro especial, o crime sobre o qual é acusado deverá ter relação com sua atividade legislativa. Exemplo: na mesma hipótese acima, caso o crime de responsabilidade esteja relacionado com o exercício do cargo, o parlamentar também terá direito ao foro especial.
- Cada ministro do STF poderá determinar o envio de processos de sua relatoria para a vara de primeira instância.
E COMO FOI A VOTAÇÃO?
A decisão foi aprovada unanimemente por todos os ministros do STF, porém existiram algumas ressalvas. Sete ministros votaram para que o supremo julgasse somente crimes que tivessem relação com a função legislativa e que ocorressem durante o mandato: o relator da ação, Luiz Roberto Barroso, Marco Aurélio, Rosa Weber, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia
Os outros ministros, sendo eles Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Levandowski e Gilmar Mendes também votaram pelo mesmo entendimento. Entretanto, argumentaram que o delito não necessitava, necessariamente, ter relação com o cargo do parlamentar. Ou seja, o crime poderia ter relação com outros assuntos, e não somente com o exercício do mandato.
Dias Toffoli disse que a restrição, para além dos deputados federais e senadores, deveria ser estendida a todas as autoridades do país. Sua fala foi apoiada por Gilmar Mendes. Já no final do julgamento, Luís Roberto Barroso declarou que os ajustes em relação à restrição do foro seriam realizados à proporção que os casos surgissem.
DADOS E ANÁLISES SOBRE O FORO PRIVILEGIADO
Quantas autoridades possuem direito ao foro no Brasil?
Segundo matéria do Correio Braziliense, publicada no mesmo dia da decisão do STF, 54 mil autoridades brasileiras detêm a prerrogativa de função. Os dados são da Consultoria Legislativa do Senado.
Entre as autoridades detentoras de foro estão o presidente e vice da República, senadores e deputados federais, ministros de Estado, procurador-geral da República, comandantes das Forças Armadas (Exércitos, Marinha e Aeronáutica), governadores, prefeitos, deputados estaduais, dentre tantas outras.
Os 81 senadores e 513 deputados federais, autoridades que tiveram foro restringido, representam apenas 1% de todas as autoridades detentoras de foro especial no país.
Qual a duração de um processo no Brasil?
Na primeira instância do país, segundo o relatório Justiça em Números de 2017, um processo criminal leva, em média, 3 anos e dois meses nas varas estaduais; 2 anos e 4 meses nas varas federais; 5 anos e 11 meses na Justiça de São Paulo e 11 meses na Justiça do Distrito Federal.
Já no STF, o processo tem a duração média de 1.377 dias, ou seja, 3 anos e 8 meses.
Processos em tramitação no STF
Grande parte dos processos tramitados no STF não são crimes cometidos em razão do cargo público ou durante o exercício do mandato.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas, em matéria publicada pela BBC Brasil, aproximadamente 5,44% desses processos incluem, na maior parte dos casos, apenas um crime que atenda a tais disposições. Sendo assim, aplicada a proposta, mais de 90% das ações penais envolvendo senadores e deputados federais serão encaminhadas para a primeira instância, como acontece com um cidadão comum.
Envio dos processos à vara de primeiro grau
Ivar A. Hartmann, professor da FGV e coordenador do projeto Supremo em Números, diz que cada ministro terá autonomia para enviar os processos de sua relatoria às varas de primeiro grau. É importante lembrar que os processos, com sua fase de colheitas de provas finalizada, permanecerão no Supremo Tribunal Federal, ainda que o político renuncie.
Processos não julgados pelo STF
Ainda segundo dados da FGV, dois terços dos processos criminais, tramitados no STF, não chegam a ser julgados pela própria Corte por “declínio de competência”. Isso significa que o processo é encaminhado para outra instância, devido à renúncia ou perda do cargo do acusado.
ENTÃO O FORO PRIVILEGIADO ACABOU?
Não. Não houve fim do foro privilegiado. O STF apenas decidiu pela restrição do foro privilegiado para deputados federais e senadores. Entretanto existe no Senado Federal uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que pretende acabar com o foro no caso de crimes comuns (corrupção se enquadra nessa categoria). A PEC 333/2017, apresentada em 06 de Junho de 2017, tem como autor o congressista Álvaro Dias, senador pelo Partido Verde/PR.
Em virtude da Intervenção Militar implementada no Rio Janeiro, em 16 de março de 2018, nenhuma PEC poderá ser discutida ou votada. Em matéria publicada pela Agência Senado, o Presidente do Senado, Eunício Oliveira, disse: “Nenhuma PEC vai tramitar, porque o mandamento constitucional determina que em intervenção federal nenhuma PEC poderá tramitar, ou seja, não pode haver mudança na Constituição”.
O Politize! escreveu uma matéria explicando a relação existente entre o Foro Privilegiado e a Operação Lava-Jato. Confira!
Entender as mudanças que acontecem constantemente no setor jurídico é também uma forma de aprimorar ainda mais nosso entendimento sobre o mundo em que estamos inseridos. De alguma forma, todas elas refletirão na nossa vida e, certamente, deverão ser pautadas no debate público. A prerrogativa de foro, por exemplo, ainda é um assunto pouco explicado de maneira clara aos cidadãos. É por isso que o Politize! sempre traz assuntos políticos de maneira clara, informativa e capaz de contribuir para o fortalecimento constante da nossa cidadania.
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Referências do texto: confira aqui onde encontramos dados e informações!
Correio Braziliense – Afinal, o que muda com a restrição do Foro Privilegiado
Estadão – Foro privilegiado: o que mudou?
BBC – STF julga restrição a foro privilegiado
Senado – Nenhuma PEC será discutida ou votada durante intervenção federal
G1 – Perguntas e respostas sobre o foro privilegiado
Poder 360 – Ministro do STJ aplica restrição do foro pela primeira vez após decisão do STF