Desde outubro de 2020, um grupo de países em desenvolvimento, liderado pela Índia e África do Sul, pressionam a Organização Mundial do Comércio (OMC) em uma tentativa de conseguir a suspensão provisória de patentes relacionadas a vacinas e medicamentos no combate ao coronavírus.
A proposta divide opiniões. De um lado, esses países defendem que a medida seria responsável por acelerar o processo de produção dos imunizantes e medicamentos, bem como diminuir os custos envolvidos na fabricação dos mesmos. Por outro lado, alguns países desenvolvidos acreditam que a licença seria uma forma de desestimular o desenvolvimento científico e não ajudaria no combate à pandemia por deficiências na capacidade produtiva daqueles países que desejam sua liberação.
Vamos entender os principais pontos dessa questão?
A finalidade da Lei de Proteção Industrial (LPI)
Existe uma grande variedade de normas que visam proteger bens incorpóreos fruto da criatividade e inteligência humana. Todas elas estão dentro do gênero “Propriedade Intelectual” que se divide em duas espécies: a) propriedade autoral; b) propriedade industrial.
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A propriedade autoral é responsabilidade do Direito Civil e visa proteger as invenções literárias, artísticas e científicas através da Lei 9.610/98 e o artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal, que garante o uso exclusivo da obra ao autor ou descendentes. Já a propriedade industrial é responsabilidade do Direito Empresarial e visa garantir ao criador o uso exclusivo de invenções, desenhos industriais, modelos de utilidade e marcas, através de registros e patentes, de acordo com o art. 2º da Lei 9.279/96.
A proteção à propriedade industrial pode ser entendida como um meio de proteção dotado de função social. Ou seja, ao garantir a determinado inventor o uso exclusivo daquela criação, a estrutura jurídica do Brasil tem interesses claros expressos no artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. (CF/88, grifo nosso).
Desta forma, novos indivíduos estarão seguros para investir tempo e recursos em busca de outras invenções, desenhos industriais, modelos de utilidade ou marcas, sabendo que não poderão ser replicados de maneira indiscriminada por terceiros. O que garantirá um período para reaver seus investimentos através do lucro com a produção ou exploração de seu invento.
Sendo assim, todo o ciclo será alimentado constantemente e os benefícios sociais e econômicos do país serão alcançados através da proteção legal garantida à propriedade industrial.
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Mas quais são os bens protegidos pela LPI?
Bens protegidos
A lei em questão protege os seguintes bens classificados como “bens móveis”: a) Invenção; b) Modelo de Utilidade; c) Desenho Industrial; e d) Marca.
Não cabe neste texto uma explanação mais detalhada sobre a definição destes termos. Interessa entender que qualquer criação que se encaixe em um destes grupos pode ser protegida por lei, garantido o uso de exclusividade, através de instrumentos adequados. São eles: registros e patentes.
REGISTRO | PATENTE |
Instrumento legal para garantir uso exclusivo de desenhos industriais e marcas | Instrumento legal para garantir uso exclusivo de invenções e modelos de utilidade |
Cada bem protegido tem um prazo específico em que será garantido o uso exclusivo pelo detentor deste benefício. Os prazos são contados de acordo com critérios específicos de cada tipo.
Invenção | 20 anos |
Modelo de utilidade | 15 anos |
Desenho industrial | 10 anos |
Marca | 10 anos |
Todas essas informações são importantes para que você seja capaz de entender qual a proteção garantida às vacinas e medicamentos utilizados no combate ao coronavírus: são invenções que possuem garantia de exclusividade aos laboratórios responsáveis pelo período de vinte anos.
Vamos a um exemplo simples: imagine que o laboratório “A” esteja realizando pesquisas para conseguir desenvolver a vacina contra o coronavírus e faça o pedido de patente desta. Todos os outros laboratórios que conseguirem chegar ao mesmo resultado no futuro, não poderão produzir, pois aquela vacina, com aquelas características, é de uso exclusivo do laboratório “A”.
Por isso, como citado no início do texto, alguns países desejam a “quebra de patentes” para conseguir produzir localmente a mesma ou importar com preços reduzidos, baixando o custo do processo e driblando a dificuldade de produção que os laboratórios detentores dos direitos enfrentam e, por isso, não conseguem atender a toda demanda mundial.
Mas é possível “quebrar as patentes”?
Previsão legal para “quebra de patentes”
O termo utilizado popularmente como “quebra de patente” na verdade se refere à licença compulsória. Trata-se de uma licença forçada concedida a terceiros que rompe com o direito de uso exclusivo ao detentor daquela patente. Existem leis específicas que abordam o tema em tratados internacionais e em leis nacionais.
No Brasil, a Lei 9.279, dos artigos 68 ao 74, regulamenta as possibilidades de concessão a terceiros da exploração de bens patenteados, bem como as características próprias à exploração quando concedida.
Em relação às vacinas e medicamentos no combate à pandemia de coronavírus, o artigo utilizado para defender a tese da necessidade do licenciamento compulsório é o 71 da referida lei:
Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.
Ou seja, existem certos requisitos a serem preenchidos para que a licença seja concedida, bem como características próprias à exploração quando liberada.
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Por isso, o conceito “quebra de patente” gera uma falsa sensação de que o direito daquele licenciado foi burlado. Pelo contrário, é uma legislação que garante à população o acesso a comercialização de produtos que, por uma série de motivos, não estão alcançando a todos que deveria, bem como garante ao detentor da patente a segurança de que a exploração será por período determinado e ganhos econômicos a partir do pagamento de royalties.
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REFERÊNCIAS
Agência Brasil. Quebra de patentes é assunto na câmara
G1. Países emergentes pressionam a OMC para suspender patentes de vacinas e remédios para a Covid
Jus. Função social da propriedade industrial – Página 3/3 – Jus.com.br
RODRIGUES, William. Licença compulsória do efavirenz no Brasil em 2007.
TEIXEIRA, Tarcisio (2018). Direito Empresarial Sistematizado. São Paulo: Saraiva
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