Pelo menos em algum momento dos últimos anos, você deve ter ouvido falar do Irã nas notícias. Talvez, tenha sido algo em relação às acusações internacionais de ataques do país contra navios próximos a seu território, ou contra as instalações petrolíferas da Arábia Saudita; ou quem sabe, tenha sido por seu Programa Nuclear e pelo interminável “vai e vem” das sanções dos EUA contra sua indústria energética. Ou, ainda, pelo mais recente ataque dos EUA, que resultou na morte do major iraniano Qasem Soleimani.
De toda forma, o ponto é o mesmo: o Irã está aparecendo cada vez mais nos jornais e precisamos entender essa situação. Por isso, neste post, vamos te explicar de forma resumida uma série de elementos que conformam esse complexo contexto.
O Irã no Oriente Médio: onde fica, quem é e quem foi?
Como podemos ver no mapa acima, a República Islâmica do Irã faz fronteira com Iraque, Turquia, Azerbaijão, Turcomenistão, Afeganistão e Paquistão, e possui ligações com o Mar Cáspio (ao Norte) e o Mar Arábico (ao Sul). As águas que contorna ao sudoeste, também são conhecidas como Golfo Pérsico (onde encontra com Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar e Emirados Árabes Unidos); enquanto ao sudeste, sua aproximação com Omã se dá pelo Golfo de Omã. É um país majoritariamente xiita (dentro da Religião Islâmica) e com uma economia fortemente baseada no petróleo.
Vale ressaltar que um dos principais pontos de divergência entre o Irã e o restante do Oriente Médio não é a questão física, mas sim o fato de ele ser um dos únicos países não-árabes da região. Por conta disso, seu distanciamento linguístico, político e religioso com seus vizinhos acaba se tornando muito mais perceptível. O mapa abaixo representa bem esse distanciamento étnico: em amarelo, as regiões tradicionalmente árabes e em laranja, os povos de origem persa (os iranianos).
Também pode-se perceber, pelo mapa acima, que as linhas de fronteiras não necessariamente representam a realidade étnica daquele espaço, o que gera situações bastante delicadas e complexas, como a concentração dos Curdos (em bordô, na Turquia e ao norte do Iraque e da Síria), hoje a maior nação sem território no mundo; o estabelecimento de Israel em território anteriormente ocupado pelos palestinos (em rosa), os Balúchis no sudeste do Irã (em cinza), a grande diversidade de povos no Afeganistão, entre outros, contribuindo para a ebulição de conflitos, guerras civis e a falência de certos Estados na região.
Mas… voltando para o Irã e mais exatamente para o que ele foi na antiguidade
O país que hoje conhecemos como República Islâmica do Irã data de aprox. 550 A.C. (com o estabelecimento do Império Aquemênida, até 300 E.C.) e foi conhecido, na maior parte de sua história como Pérsia.
O reino persa dominou boa parte do Oriente Médio e, por isso, ficou conhecido como o primeiro hegemon da história. Os traços da sua influência para além de suas fronteiras ficaram conhecidos como Persianatos (sendo o maior exemplo, o Taj Mahal). Outro ponto importantíssimo na história foi a oficialização do xiismo como religião nacional, pelos Safávidas (uma dinastia xiita formada por azeris e curdos) no século XVI.
No último século, o país passou por mudanças estruturais imensas:
Dinastia do Xá (1925-1979)
Entre 1925 e 1979, o país esteve sob a Dinastia do Xá – um reinado da família Pahlevi, que passou do pai Reza Xá para seu filho Mohammed Reza Xá.
Com um golpe de Estado em 1925, o comandante militar Reza Pahlevi Khan (que futuramente mudaria seu nome para Reza Xá) derrotou a ocupação britânica e mudou o rumo daquele lugar. Dentre os principais elementos sócio-políticos daquele momento estavam:
- Aproximação e alinhamento com o Ocidente (em especial, com os EUA), social, cultural e politicamente;
- Perda (intencional) da identidade persa, com a oficialização do nome Irã em 1935;
- Uma forte modernização secularizada – um Estado sem fortes características religiosas;
- Ampliação dos direitos das mulheres e início de uma cultura mais libertária, com a abolição da obrigatoriedade do xador.
A Revolução Iraniana (1979)
Após décadas de regime, os índices de desemprego e pobreza do país começaram a subir, assim como o descontentamento popular. Em 1979, o líder religioso Aiatolá Khomeini liderou um golpe de Estado, agora religioso e conservador, com o apoio da maior parte da população. Nesse momento, destacavam-se:
- Retomada das raízes religiosas e ideológicas (conforme consta na primeira página da Constituição da República Islâmica do Irã, de 1979: A característica definitiva desta revolução, a propósito de outras revoltas do Irã durante este século, é sua natureza ideológica e islâmica);
- Afastamento brusco em relação ao Ocidente, em especial aos EUA (na pág. 32 da mesma Constituição, destaca-se: A política externa da República Islâmica do Irã baseia-se na rejeição de qualquer tipo de dominação, tanto do exercício quanto da submissão a ela; (…) a defesa dos direitos de todos os muçulmanos; desalinhamento em relação aos poderes dominadores; relações pacíficas mútuas com Estados não agressivos);
- Completa alteração no sistema político do país, agora com maior abertura democrática – finalmente, a voz do povo seria ouvida e representada;
- A oficialização de um Líder Religioso Supremo, tornando o país uma República Teocrática Islâmica.
Século XXI: Da Primavera Árabe aos protestos de 2018
Em 2011, boa parte do Oriente Médio passou pela Primavera Árabe – uma série de revoltas populares com a intenção de destronar estadistas que estavam no poder há décadas de forma tirânica e não-democrática. Nesse momento, contudo, poucas foram as manifestações da população iraniana.
O papel do país nesse momento ficou por conta do escalonamento da Guerra Fria com a Arábia Saudita, na qual disputavam poder e influência regional por meios indiretos – as chamadas guerras proxy, onde atores externos (governos, grupos de milícia, organizações, etc.) apoiam lados opostos em conflitos paralelos nos países vizinhos, sem neles interferir diretamente (apenas via financiamentos, apoio e treinamento militar, disposição de armamentos, etc.).
Entre 2011 e 2015, o Irã se viu coagido pelo Sistema Internacional a submeter seu Programa Nuclear ao crivo do Conselho de Segurança da ONU: O programa gera controvérsias internacionalmente devido à suspeita, especialmente estadunidense, de que o país desenvolva tecnologia nuclear militar. O governo nega quaisquer acusações e alega que o programa não inclui qualquer propósito que não seja para fins científicos e de produção energética (CHEREM, 2019).
Em 2015, após anos de debates e sanções, o Irã e o P5 + 1 (os cinco países membros do Conselho de Segurança da ONU + a Alemanha) assinaram um Acordo Nuclear, que garantia a drástica diminuição do programa nuclear iraniano em troca do levantamento das sanções internacionais ligadas ao país. Aqui, vale destacar a atuação do presidente Hassan Rouhani, eleito pelos iranianos em 2013, que em dois anos de mandato conseguiu finalizar o acordo.
Contudo, diversos fatores ajudaram a difamar a imagem do Irã a partir desse momento, como:
- A ascensão de Donald Trump ao poder nos EUA (que desde 2017 já indicava a aversão do presidente contra o Estado de Rouhani, como percebe-se aqui, aqui e aqui);
- O crescimento da indústria de energia nuclear na Arábia Saudita (onde, novamente, há um grande interesse por parte dos EUA, aliado nacional da opositora iraniana);
- E o envolvimento do País em conflitos pelo Oriente Médio (por conta da Guerra Fria regional contra a Arábia Saudita).
Talvez desde a década de 1980, o afastamento do Estado persa com os EUA tenha provado agora suas piores consequências: é aqui onde é construída uma imagem internacional de um Irã “vilão” e “terrorista nuclear” no século XXI (ainda que a Arábia Saudita esteja apontando para a exata mesma direção com seu programa nuclear, com o apoio do Congresso e Senado estadunidenses).
Em 2017 e 2018, as sanções econômicas internacionais rapidamente alcançaram os bolsos da população iraniana que, indignada, foi às ruas protestar contra a crescente queda na economia interna (como aumento nos preços, o desemprego e a desigualdade econômica) e a repressão política.
Todas as reivindicações socioeconômicas, no entanto, giravam em torno de um grande elemento: com a atenção de Rouhani voltada para a política externa, as questões nacionais acabaram ficando em “segundo plano”, transformando todos os cenários do país (interna e externamente) em grande bola de neve de políticas falhas e descontentamentos.
O Irã em 2019
Muitos são os elementos que marcaram o último ano na história iraniana. Os destaques, contudo, seguem para sua imagem no cenário internacional, como seu papel nas indústrias petrolífera e nuclear, a Guerra Fria regional com a Arábia Saudita (e suas repercussões na região) e as acusações de ataques contra vizinhos regionais.
O petróleo na economia iraniana
A economia do Irã é baseada majoritariamente na indústria do Petróleo (da extração ao refino), o que o torna muito atrativo não apenas para seus parceiros comerciais regionais, mas para o mundo todo. Em outras palavras, apesar dos desentendimentos internacionais, é importante para o Sistema Internacional que o Estado permaneça politicamente estável e comercialmente aberto, com disposição para negociar seu produto com o mundo – ou, pelo menos, até que o Ocidente encontre outro parceiro comercial mais atrativo na região.
Vale lembrar que na Guerra Fria regional, Irã e Arábia Saudita disputam também a supremacia na produção energética, em especial na chamada geopolítica do petróleo. Nessa temática, ambos países disputam questões como são explorados elementos como maior produção de petróleo, maior exportação regional, maiores descobertas de novas fontes energéticas, maior programa nuclear de uso civil, maiores acordos internacionais para a exploração dessas fontes, etc.
As sanções econômicas EUA-Irã e sua relação direta com a indústria petrolífera
Em agosto de 2018, o governo dos EUA impôs novas sanções econômicas ao Irã, predominantemente voltadas para os setores de energia, bancário e marítimo do país. [Vale lembrar que, nessa época, a administração Trump já havia se retirado formalmente do Acordo Nuclear].
Como as exportações de petróleo de Teerã representam mais da metade de suas receitas externas, o impacto negativo das condenações internacionais não afeta apenas uma parte da indústria, mas sim, toda a economia nacional do país. As sanções enfraqueceram a moeda local do Irã e fizeram crescer a inflação no país. Essa desestabilização da economia iraniana fica visível neste seguinte fragmento do discurso do Departamento de Defesa estadunidense (abril/2019):
Quase um ano depois de os Estados Unidos terem encerrado sua participação no acordo nuclear com o Irã e cinco meses após a imposição total das nossas sanções, fica claro que nossas ações estão restringindo o fluxo de caixa do Irã. Eles estão restringindo sua capacidade de operar livremente na região. Nossas sanções petrolíferas retiraram aproximadamente 1,5 milhão de barris das exportações de petróleo iraniano do mercado desde maio de 2018, e isso negou ao regime acesso a mais de 10 bilhões de dólares em receita. Isso é uma perda de pelo menos 30 milhões de dólares por dia e isso é apenas em relação ao petróleo.
Contudo, embora os Estados Unidos tenham estabelecido a meta de interromper completamente as exportações de petróleo do Irã, concederam em abril isenções temporárias de importação para a China, Índia, Grécia, Itália, Taiwan, Japão, Turquia e Coréia do Sul para garantir baixos preços do petróleo e nenhuma interrupção no mercado global de petróleo.
Neste post da BBC, há 6 gráficos que mostram o quão duramente as sanções estadunidenses atingiram o Irã.
Em resposta, o presidente iraniano Hassan Rouhani afirmou que “O departamento jurídico da presidência, juntamente com os ministros da Justiça e Relações Exteriores, vai preparar uma ação contra os envolvidos na elaboração e imposição de sanções ao Irã”.
Ainda em junho de 2019, os brasileiros ficaram um pouco mais próximos de toda essa disputa, quando navios iranianos ficaram parados no Porto de Paranaguá (Paraná) e em Imbituba (Santa Catarina). A razão foi a mesma, apenas em outro CEP: os cargueiros sofriam sanções dos EUA.
Em outras datas no restante do ano, três novos pontos fizeram-se importantes nesse contexto intermitente:
- 11/09: Trump alivia sanções ao Irã;
- 22/09: Arábia Saudita pode atacar o Irã via outro ator;
- 27/09: União Europeia adverte Irã que pode estar forçada a desistir do Acordo Nuclear.
Acusações internacionais sobre os ataques iranianos
Contudo, todas essas “idas e vindas” e ataques econômicos contra o Irã, advindos especialmente do Ocidente, não necessariamente são infundados. Ainda que o presidente Rouhani sempre negue as acusações, em 2019, diversos ataques que aconteceram pela região têm indícios de terem sido originados do Estado iraniano. Em especial, há 3 destaques:
- Maio/2019: A sabotagem em navios no Golfo Persa (como possível contra-resposta ao envio de navios de guerra e bombardeiros estadunidenses para a área, em resposta a ameaças do Irã);
- Junho/2019: O ataque a navios petrolíferos, com alegadas provas em vídeo;
- Setembro/2019: O ataque com drones a instalações petrolíferas na Arábia Saudita (como explicamos detalhadamente neste post).
Enquanto seguem os debates sobre as validade das provas apresentadas em cada um dos casos contra o Irã, o ator segue tendo sua imagem internacionalmente manchada – uma vez que apenas as acusações já são suficientes para o julgamento e o crivo da mídia internacional.
A Guerra Fria Irã-Arábia Saudita e as percepções regionais
Um terceiro ponto que se deve elencar com a mesma importância que os outros dois elementos acima, é a Guerra Fria regional que o Irã e a Arábia Saudita travam há anos – e que se vê fortemente escalonada desde a Primavera Árabe de 2011, quando boa parte dos países do Oriente Médio ficaram politicamente instáveis e socioeconomicamente desestabilizados.
Enquanto a Arábia Saudita apoia majoritariamente governos de Estados da região [Egito, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Líbia (em Tobruque) e Jordânia], o Irã alinha-se àqueles atores como milícias e grupos rebeldes anti-governo, que são contra a ordem vigente (o famoso status quo):
- Os governos do Iraque (maior vizinho e aliado xiita na região) e do Líbano (ainda que em 2018-19, as relações entre os governos libanês e iraniano encontrem-se em estado sensível);
- E os grupos Hezbollah (Líbano) e Hamas (Palestina), os Houthis (Iêmen) e os Curdos (em território iraquiano).
Assim, torna-se visível que a aproximação do Estado saudita com os EUA e o Ocidente facilitam as alianças política, econômica e militar, uma vez que o Reino não possui intenções de alterar a balança e o Sistema no Oriente Médio.
Enquanto, por outro lado, a visão iraniana de rompimento com esse mesmo Sistema, aumenta a intensidade dos holofotes que recaem sobre o país a cada passo que dá (como em seu Programa Nuclear) e por cada incidente que ocorre na região (ainda que nem sempre com provas de sua autoria).
Sugestões de mais material para aprofundamento
Quer saber mais sobre o assunto? Confira abaixo algumas sugestões para aprofundamento!
Podcasts em português:
- Petit Journal – episódio Os EUA e os estreitos (10/jul);
- Petit Journal – episódio O xadrez iraniano (05/jul);
- Petit Journal – episódio Economia iraniana desmorona (28/mai).
Podcasts em inglês:
- The Intelligence (The Economist) – episódio Get one thing strait: Iran’s tanker stand-off (22/jul);
- The Intelligence (The Economist) – episódio Hawks, stocks and peril: Iran-America brinkmanship (20/jun).
Conseguiu entender o papel do Irã na política internacional e a rivalidade entre o país e a Arábia Saudita? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
REFERÊNCIAS
AL-SAUD, Turki Bin Khaled. A Historical Study of Saudi Arabia–Iran Relations and Regional Order.
AXWORTHY, Michael. Revolutionary Iran: A History of the Islamic Republic.
BBC Why Saudi Arabia and Iran are bitter rivals.
CHEREM, Helena. A GUERRA-FRIA DO ORIENTE MÉDIO: Irã e Arábia Saudita na balança de poder regional no Oriente Médio após a Primavera Árabe. 2019. 103 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.
LYNCH, Marc. The New Arab Wars: Uprisings and Anarchy in the Middle East.
VISENTINI, Paulo G. O Grande Oriente Médio: da Descolonização à Primavera Árabe.