Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
setembro 29, 2020

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Incisos LXIX e LXX – Mandado de segurança

“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”;

MANDADO DE SEGURANÇA – INDIVIDUAL E COLETIVO

Os incisos LXIX e LXX do artigo 5º tratam respectivamente sobre o mandado de segurança individual e o coletivo que são, em resumo, um tipo de ação para defesa de direitos dos cidadãos contra atos ilegais praticados por autoridades públicas no território brasileiro. Essa ação é chamada de remédio constitucional em virtude de sua previsão na Constituição e da sua natureza contestatória. Ela garante que atos praticados por autoridades públicas que resultem em violações a direitos fundamentais sejam encerrados, isto é, parem de repercutir efeitos negativos para os cidadãos.

Quer saber mais sobre como a Constituição define este direito e por que ele é tão importante, bem como a sua história e como ele é aplicado na prática? Continue conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos com uma linguagem clara.

DESCOMPLICANDO OS INCISOS LXIX E LXX

Os incisos LXIX e LXX do artigo 5º, promulgados pela Constituição Federal de 1988, definem, respectivamente, que:

conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Sendo assim, os incisos LXIX e LXX tratam, respectivamente, do mandado de segurança individual e do mandado de segurança coletivo, os quais servem para defender direitos dos cidadãos brasileiros. 

Contudo, a pergunta que fica é: o que, afinal, é um mandado de segurança? A resposta, como antecipamos no início do post, é simples: o mandado de segurança é um remédio constitucional que visa à proteção de um direito líquido e certo, o qual, por sua natureza,  não esteja amparado pelas outras espécies de remédios constitucionais – o habeas corpus ou o habeas data. Dessa forma, para que o mandado de segurança seja usado, ele deve ser o único mecanismo cabível para assegurar os direitos do cidadão prejudicado (por isso, dizemos que o mandado de segurança tem natureza residual). Ressalte-se que o mandado de segurança (individual e coletivo) é disciplinado pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009.

No post anterior, tivemos a oportunidade de entender de forma mais detalhada o que é um HC. Recapitulando, um HC tem por objetivo garantir o direito de liberdade de locomoção dos cidadãos, isto é, o seu “direito de ir e vir”. Ele é acionado quando há desrespeito ou ameaça de violação desse direito.

Paralelamente, o habeas data visa garantir o direito de acesso a dados e informações pessoais que estejam sob posse do Estado brasileiro ou de entidades privadas que tenham informações de caráter público. Esse remédio garante o direito de informação aos cidadãos e a possibilidade de correção de dados pessoais. Assim, é em complemento a esses dois tipos de remédios que o mandado de segurança se insere: ele visa proteger outros direitos – de pessoas físicas ou jurídicas – que não são amparados nem pelo HC, nem pelo habeas data.

Agora que já definimos o que é um mandado de segurança, resta entender quais são os critérios para que esse remédio seja utilizado. Os critérios são basicamente três:

  1. O direito a se proteger deve ser líquido e certo, o que não quer dizer absoluto ou incontestável, mas facilmente demonstrável, sem a necessidade de produção de provas além da documental. Caso seja necessário produzir provas adicionais, como pericial e testemunhal, o mandado de segurança não se aplica e o remédio poderá ser convertido em outro tipo de ação, que comporte a produção de provas, seguindo, portanto, um procedimento mais longo; 
  2. O direito a se proteger não pode estar amparado por HC ou habeas data como dissemos há pouco, se um dos outros dois remédios couberem à situação, a exemplo dos direitos de liberdade amparados pelo HC, não será cabível o mandado de segurança, não devendo ser aceito pelo Poder Judiciário; 
  3. O ato que violou o direito deve ter sido praticado por autoridade pública ou agente/funcionário de pessoa jurídica no exercício de serviços públicos. 

A título de exemplificação, imaginemos duas situações hipotéticas em que cabe o mandado de segurança: primeiro, um jovem passou no vestibular, atendendo ao critério de seleção da instituição de ensino superior (um direito líquido e certo), mas foi impedido pelo diretor de se matricular na faculdade. Segundo, a pessoa está doente e precisa de uma consulta médica. Contudo, ela não tem dinheiro para pagar por uma consulta particular. Então, decide recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para ter acesso àquela consulta. Porém, ao chegar à unidade de atendimento hospitalar, o diretor do hospital, injustificadamente, decide que ele não pode entrar naquele estabelecimento.

Ambas as situações poderiam ser levadas à Justiça por meio da obtenção de um mandado de segurança individual. Afinal, o direito de se matricular na faculdade, assim como o acesso à saúde são direitos líquidos e certos, que foram negados por uma pessoa com cargo público (diretor da universidade e do hospital público), sendo que para impugnar tal ato de violação de direito, não é cabível nem o HC, nem o HD.

Aqui, vale ressaltar que a proteção aos direitos líquidos e certos pelo mandado de segurança pode ser tanto anterior quanto posterior à ocorrência do ato abusivo. Assim, para um ato que represente uma ameaça futura de lesão a tais direitos, o mandado de segurança a ser adquirido é o preventivo, pois visa prevenir a ocorrência de ato ilegal. Já para os atos já praticados, como os dos exemplos acima, com vistas a impedir que as ilegalidades já existentes sigam produzindo efeitos, o mandado de segurança a ser obtido é o repressivo (que visa cessar a produção de efeitos daquele ato). 

Um último ponto a ser destacado: diferentemente do HC, que não exige que sua obtenção seja feita por meio de um advogado (ou seja, a própria parte pode recorrer ao Poder Judiciário sem a presença de um representante legal), para a impetração do mandado segurança é preciso constituir um advogado e a ele ceder poderes de representação.

MANDADOS DE SEGURANÇA INDIVIDUAL E COLETIVO

O mandado de segurança individual protege direitos individualmente exercidos e pode ser impetrado por qualquer indivíduo. Já o mandado de segurança coletivo protege direitos de uma coletividade e, conforme o inciso LXX do artigo 5º da Constituição, pode ser utilizado por: 

  • partidos políticos com representação no Congresso Nacional, na defesa de interesses legítimos de seus integrantes ou relativos à finalidade partidária;
  • organizações sindicais, entidades de classe e associações que estejam legalmente constituídas e em funcionamento há, pelo menos, um ano; que atuem em defesa dos interesses da totalidade, ou de parte dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos; e que defendam interesses relacionados às suas finalidades, tornando desnecessária uma autorização especial.

Assim, os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: 

  1. direitos coletivos, isto é, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; ou
  2. direitos individuais homogêneos, que são aqueles decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

O HISTÓRICO DO MANDADO DE SEGURANÇA

O mandado de segurança é uma criação do direito brasileiro, originada a partir do HC, no que se convencionou chamar de “doutrina brasileira do habeas corpus”. Esse remédio constitucional passou por idas e vindas em nossa legislação, tendo seu primeiro registro na Constituição de 1934

Em 1937, durante o Estado Novo, o mandado de segurança deixou a lista das garantias constitucionais, mas passou a ser disciplinado por leis infraconstitucionais, como o Código de Processo Civil, de 1939. Porém, em 1946, a Constituição passou a prevê-lo novamente como garantia fundamental. 

Desde então, embora tenha sofrido algumas alterações e restrições durante a ditadura militar, permaneceu com a mesma essência na legislação atual. Importante ressaltar que, foi apenas na Constituição de 1988 que o mandado de segurança consolidou-se como um meio de proteção de direitos tanto individuais como coletivos.

A IMPORTÂNCIA DOS INCISOS LXIX E LXX

A importância dos incisos LXIX e LXX do artigo 5º da Constituição relaciona-se ao fato de preverem o mandado de segurança, individual e coletivo, que é uma garantia constitucional pela qual um cidadão ou determinada coletividade de pessoas defende-se de atos ilegais ou de abusos de poder praticados ou que podem vir a ser praticados, em violação a um direito líquido e certo, seja ele individual ou coletivo. 

O MANDADO DE SEGURANÇA NA PRÁTICA

O primeiro passo para se impetrar um mandado de segurança em um caso prático é analisar se o direito violado é líquido e certo, bem como se pode (ou não) ser amparado por HC ou Habeas Data. 

É preciso também avaliar se o ato que violou o direito em questão foi praticado por autoridade pública (ou equiparável). Além disso, é importante confirmar se o direito pode ser comprovado por prova documental, sem a necessidade de maior dilação probatória, como depoimento de testemunhas ou prova pericial.

Respeitados esses critérios, o mandado de segurança poderá ser adquirido por um advogado constituído pela parte interessada no prazo de até 120 dias, contados da ciência do ato a ser impugnado. É necessário o pagamento de custas para impetrar mandado de segurança (diferente do HC e do Habeas Data, que são gratuitos), salvo em casos de gratuidade de justiça (em que comprovadamente a pessoa natural ou jurídica não tem recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios).

Uma vez impetrado o mandado de segurança (seja individual ou coletivo), o impetrante poderá requerer uma medida liminar – ato decisório com vistas a atender a um pedido urgente e antecipar os efeitos pretendidos com o julgamento da ação, no caso, o mandado de segurança –, que poderá ser concedida ou negada, cabendo recurso contra tal decisão. 

A parte contra a qual o mandado de segurança foi impetrado (autoridade coatora) terá 10 dias úteis para se manifestar a respeito das alegações de violação de direito, e o Ministério Público também poderá ser intimado e ouvido. 

Por fim, o mandado de segurança deverá ser julgado em até cinco dias úteis. Caso tal prazo não seja cumprido, a parte impetrante poderá representar contra o juiz ou o desembargador junto à Corregedoria, para que ocorra o julgamento imediato do mandado de segurança.

CONCLUSÃO

Este inciso do artigo 5º da nossa Constituição trata sobre um importante remédio constitucional. Neste texto, pudemos compreender melhor como funciona um mandado de segurança e como ele é importante para a proteção de direitos líquidos e certos dos cidadãos brasileiros.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em setembro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Autores:
  1. Gregory Terry Ubillús
  2. Mariana Mativi
  3. Matheus Silveira da Silva

Fontes:
  1. Instituto Mattos Filho;
  2. Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;

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