Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
outubro 8, 2019

COMPARTILHE:

Inciso XXII – Direito de propriedade

"É garantido o direito de propriedade” 

DIREITO DE PROPRIEDADE: COMO FUNCIONA NO BRASIL?

O direito de propriedade é descrito no inciso XXII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Nele, estão previstos direitos fundamentais, com objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do país. 

Este conteúdo é parte do projeto Artigo Quinto, realizado em parceria pelo Instituto Mattos Filho, a Civicus e a Politize!, que juntos explicam os direitos fundamentais descritos no artigo 5º da Constituição. Para conhecer outras liberdades e direitos garantidos na Constituição de maneira didática e descomplicada, não deixe de visitar a página do projeto. 

O INCISO XXII – DIREITO DE PROPRIEDADE

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

Dentro deste artigo, o inciso XXII determina: 

XXII – é garantido o direito de propriedade

Resumidamente, pode-se pensar no direito de propriedade como o direito de uma pessoa, nos limites da Constituição e da lei, de (i) dispor e usufruir de um bem e (ii) determinar o que é feito com ele. Diversos autores conceituam esse direito de formas distintas, e sua caracterização costuma variar de acordo com o sistema político e econômico de cada lugar. 

Segundo a jurista brasileira Maria Helena Diniz, o direito de propriedade pode ser entendido como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”. Para compreender melhor essa definição, vamos desmembrá-la em três atributos: 

  • Direito de uso: direito de usufruir de um bem ou colocá-lo à disposição de outra pessoa, sem que esta possa modificar a substância dele. Por exemplo, se você é proprietário de um imóvel, pode optar por usufruir dele, emprestá-lo ou alugá-lo. 
  • Direito de gozo: direito sobre os frutos ou rendimentos que esse bem fornece. Por exemplo, ter direito sobre os frutos de um pé de laranjeira que está dentro da sua propriedade, ou sobre os rendimentos do aluguel de um imóvel que é seu. 
  • Direito de dispor: este é o direito que mais expressa o domínio/posse sobre o bem. Significa que você pode optar por vendê-lo, doá-lo ou trocá-lo. 

Ou seja, ser proprietário ou deter o direito de propriedade sobre um bem significa, em regra, ter o direito de usar, gozar e dispor dele. Dessa forma, o inciso XXII do artigo 5º reconhece o direito de propriedade como um direito fundamental protegido pela Constituição brasileira. 

A RELEVÂNCIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Durante uma feira, o vendedor entrega uma maça para a cliente | Direito de propriedade – Artigo Quinto
A maneira que a propriedade é entendida e o tratamento dado ao direito de propriedade varia bastante entre diferentes culturas | Direito de propriedade – Artigo Quinto

Há diversos fundamentos que justificam o direito de propriedade.  Alguns teóricos  entendem que ele decorre do domínio natural que os seres humanos detêm sobre seu corpo, enquanto outros associam a tutela da propriedade ao domínio sobre os resultados do trabalho e da vontade. 

Nessa última perspectiva, trabalho e propriedade “são tomados como aspectos inerentes à condição humana, à liberdade pessoal e à dignidade dos direitos humanos”, o que justifica o status de direitos fundamentais e, consequentemente, a proteção estatal. 

Além de estar presente em Constituições em todo o mundo, o direito de propriedade também está previsto no artigo 17 da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. 

Além disso, algumas organizações internacionais entendem que quanto mais seguro for o direito de propriedade, melhor será o desenvolvimento da economia e da sociedade. Isso aconteceria porque o incentivo para fazer investimentos em uma propriedade é maior quando o direito sobre ela é garantido. 

 PERSPECTIVA HISTÓRICA

Ao longo da história constitucional brasileira, o entendimento do Estado sobre a propriedade modificou-se conforme o contexto político nacional e internacional. Nessa seção, veremos como tais transformações ocorreram.

Constituições de 1824 e 1891

 A propriedade integra o catálogo de direitos fundamentais desde a primeira Constituição brasileira, editada em 1824, mantendo-se nas Cartas seguintes. O Brasil havia conquistado sua independência apenas dois anos antes, em 1833, em um processo fortemente influenciado pela independência dos Estados Unidos (1776) e pelos ideais da Revolução Francesa (1789).

Por isso, tanto a Constituição de 1824 quanto a Constituição de 1891 estabeleceram o direito de propriedade em sua forma mais plena. Fixou-se, ainda nesse período, a necessidade de indenização prévia em caso de desapropriação de bens privados pelo Estado.

Era Vargas

A principal novidade da Constituição de 1934 foi uma maior preocupação com a promoção da justiça social. O direito de propriedade deixou de ser absoluto e passou a ser associado ao interesse social ou coletivo. Isso significa que ele não poderia mais ser compreendido como ilimitado. Seu limite seria que nenhuma propriedade poderia ferir o interesse coletivo. 

Ainda na Era Vargas, a nova Constituição de 1937 deu continuidade a esse entendimento. Embora mencionasse a propriedade como um dos direitos assegurados à população brasileira, determinava que leis específicas disciplinariam os seus limites. 

Pós-Vargas, ditadura e redemocratização

Na Constituição de 1946, bem como nas reformas constitucionais de 1967 e 1969, foi mantido o entendimento de que o direito de propriedade deveria ser limitado pelo cumprimento de certos deveres e funções.

Por conseguinte, a Constituição de 1988, que marcou a redemocratização do país e está vigente até os dias atuais, mantém que esse direito não é absoluto. Atualmente, o direito de propriedade de terra é condicionado à sua função social, que difere entre propriedades urbanas e rurais. 

Logo, observa-se que, com exceção do período que antecede a Revolução de 1930, o direito de propriedade no Brasil sempre foi constitucionalmente limitado pelo interesse coletivo, a partir do entendimento de que ela deve servir a determinadas finalidades. 

O DIREITO DE PROPRIEDADE NA PRÁTICA: LIMITES E DESAPROPRIAÇÃO

Mão estendida com a chave de um imóvel, além de um chaveiro verde | Direito de propriedade – Artigo Quinto
A Constituição brasileira submete o direito de propriedade a algumas condições para garantir o bem coletivo | Direito de propriedade – Artigo Quinto

 

Como vimos, o direito de propriedade no Brasil é garantido pela Constituição, mas não é ilimitado; o que o limita é o cumprimento da chamada função social. Para entender como isso tudo funciona na prática, é preciso compreender o que é a função social e o que a lei brasileira prevê que aconteça no caso de seu não cumprimento. 

A Constituição brasileira determina apenas que o direito de propriedade está condicionado à função social. São os Estatutos da Terra e da Cidade que explicitam a função social a ser cumprida, respectivamente, por propriedades rurais e urbanas. Aqui, analisaremos mais detalhadamente o caso das propriedades rurais. 

De acordo com o Estatuto da Terra, a função social da propriedade rural é determinada pelos seguintes aspectos:

  • aproveitamento racional e adequado da terra; 
  • utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; 
  • observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e
  • exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 

No caso de não cumprimento dessas condições, a Constituição prevê um processo de desapropriação mediante indenização para fins de reforma agrária (art. 184). Ou seja, se uma propriedade rural não cumprir essas funções, o poder público pode e deve retirar o direito de propriedade (mediante indenização) e redistribuir a terra. 

O caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)

É provável que você já tenha ouvido falar no MST, mas talvez não saiba exatamente quais as suas reivindicações e a sua forma de ação. Agora que já sabe como funciona o direito de propriedade no Brasil, será mais fácil entender esse movimento. 

O MST é formado por trabalhadores rurais que demandam um pedaço de terra para viver e trabalhar. Seus conhecidos acampamentos são ocupações de propriedades rurais em situação irregular, que não cumprem a função social. Essas ocupações são realizadas para pressionar o poder público a desapropriar as propriedades irregulares e redistribuí-las a esses trabalhadores rurais.

No entanto, há casos em que o Estado considerou que as terras ocupadas pelo movimento estavam regulares, ou seja, cumpriam a sua função social. Nesses casos, a Justiça defende o direito do proprietário sobre aquela propriedade, conforme garantido pelo inciso XXII do artigo 5º. 

O DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL E NO MUNDO

Como mencionamos no início do texto, o modo como a propriedade é entendida e o tratamento dado ao direito de propriedade variam bastante entre diferentes culturas e sistemas políticos. 

Quanto mais próxima é a cultura de um país dos valores liberais inspirados por filósofos como John Locke, mais abrangente costuma ser o direito de propriedade. Por outro lado, em culturas com predominância de visões críticas da propriedade, este direito tende a ser mais limitado. 

Mas até em Estados declaradamente comunistas ou socialistas, como Venezuela, China e Cuba, o direito de propriedade é reconhecido. O que costuma variar entre países de tradição liberal, social-democracias e países socialistas são as limitações impostas a esse direito. 

O projeto Property Rights Alliance elabora periodicamente um relatório sobre o direito de propriedade ao redor do mundo. No de 2013, foi feito um ranking de 131 países conforme o nível de garantia ao direito de propriedade. O índice leva em consideração três eixos: ambiente legal e político; direitos de propriedade física; e direitos de propriedade intelectual. Para citar alguns exemplos, os Estados Unidos estavam na posição 17, o Brasil aparecia na colocação 56 e a Venezuela estava na posição 127.

CONCLUSÃO

Como você pôde ver, o inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal garante um direito quase universal, reconhecido pela maioria dos países e também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. É este inciso que garante o seu direito de ser proprietário de algo, ou seja, de usufruir, gozar e dispor de um bem. No entanto, o direito de propriedade como absoluto, e a Constituição brasileira o submete a algumas condições para garantir o bem coletivo.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em outubro/2019 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

 


Sobre os autores:

Eduarda Victoria Motta

Advogada de Contencioso e Arbitragem

Isabela Moraes

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes:

https://jus.com.br/artigos/27032/direito-de-propriedade-funcao-social-e-limitacoes-constitucionais 

https://oglobo.globo.com/economia/china-aprova-lei-historica-de-propriedade-privada-4209040 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/07/17/internacional/1531858538_862054.html 

http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/16/direitosreais_75.pdf 

A evolução do direito de propriedade ao longo dos textos constitucionais. 2008. DE ASSIS, Luiz Gustavo Bambini. 

Curso de direito brasileiro, v.4: direito das coisas. 2006. DINIZ, Maria Helena.

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo