Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
junho 25, 2019

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Inciso VII – Assistência religiosa

"É assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.”

INCISO VII – ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

O artigo 5º da Constituição de 1988 trata dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. Ele contém 79 incisos e quatro parágrafos que têm como objetivo assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos do país. Em seu inciso VII, assunto tratado neste artigo, há a garantia da assistência religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva. Porém, você sabe o que significa assistência religiosa e o que são essas instituições?

A Civicus e a Politize!, em parceria com o Instituto Mattos Filho, esclarecerão essas e outras dúvidas sobre o inciso VII. Para conhecer outros direitos, dispostos nos demais incisos, confira a página exclusiva do Artigo Quinto.

O INCISO

O artigo 5º, em seu inciso VII, afirma que:

VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

Em um país como o Brasil, onde cerca de 90% da população tem alguma religião – segundo dados oficiais do Datafolha –, prover o livre exercício da fé e a coexistência das diferentes crenças acabam sendo pilares de nossa Constituição. Como no post anterior, a liberdade religiosa é um direito assegurado pelo inciso VI do artigo 5º, que garante aos brasileiros e aos estrangeiros em território nacional o direito de escolher qual religião seguir ou, ainda, de não pertencer a nenhuma.

O inciso VII, que trata da assistência religiosa, estende o direito à liberdade religiosa para aquelas pessoas que se encontrem em “entidades de internação coletiva”. 

Isso significa que mesmo que a pessoa esteja, por exemplo, em um hospital, uma prisão ou um quartel do exército, é preciso lhe garantir o exercício da sua religião, permitindo, inclusive, que líderes religiosos prestem assistência nesses estabelecimentos quando solicitado e aprovado pela respectiva instituição, exercendo tal assistência de acordo com eventuais limites determinados por aquela. 

A realização de cultos, por exemplo, depende da organização da administração do local. Portanto, até o exercício de direitos fundamentais pode ter que observar restrições e seguir um protocolo preestabelecido.

O que é assistência religiosa?

Você já deve ter lido alguma notícia sobre a possibilidade de líderes religiosos fazerem visitas em prisões. É mais provável ainda que tenha visto capelas em hospitais, certo? Esses são exemplos básicos de assistência religiosa.

Segundo essa garantia, o Estado garante, nos termos da lei, as condições necessárias para que, independentemente da crença, os internos dessas entidades possam realizar seus cultos e exercer sua fé. Entretanto, não é necessário que essas instituições tenham espaços determinados para o exercício dos mais variados cultos, mas sim que garantam o direito ao exercício da fé das religiosidades praticadas pelos indivíduos solicitantes.

A REGULAMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

assistência religiosa

Como vimos, a Constituição garante o direito à assistência religiosa, mas o que descreve como ele funcionará na prática são as leis. A principal delas é a Lei n. 9.982/2000, que regulamenta as visitas para atendimentos religiosos em hospitais da rede pública ou privada e nos estabelecimentos prisionais civis e militares.

Veja o que diz o primeiro artigo desta lei:

Art. 1º. Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.

Outra lei que regulamenta a assistência religiosa é a Lei n. 6.923/1981, que descreve a aplicação desse direito dentro das organizações militares. Veja o que diz o seu segundo artigo:

Art. 2º. O Serviço de Assistência Religiosa tem por finalidade prestar assistência Religiosa e espiritual aos militares, aos civis das organizações militares e às suas famílias, bem como atender a encargos relacionados com as atividades de educação moral realizadas nas Forças Armadas.

Essas leis servem para descrever como poderão ser realizados os serviços de assistência religiosa às pessoas dentro de cada um desses estabelecimentos de internação coletiva, pois, apesar de ser um direito constitucional garantido a todos, devem ser sempre respeitadas as particularidades de cada instituição.

Imagine que uma prisão tenha as condições para a realização de cultos da religião católica e que existam detentos que seguem a religião evangélica. Fiéis evangélicos, por exemplo, poderão solicitar à instituição instalações ou materiais adequados para o exercício do seu direito de crença, como livros de instrução religiosa. 

Cada instituição pode estabelecer as condições de realização dos cultos de acordo com as regras internas, desde que essas condições visem à segurança do paciente ou do ambiente hospitalar/prisional. No ambiente militar, por exemplo, os líderes religiosos devem ser previamente aprovados e integrados ao corpo militar.

A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

Ao elaborar esse inciso e tornar a assistência religiosa um direito fundamental garantido pela Constituição, o legislador pensou na relevância de se fornecer apoio à pessoa que está distante de sua família, de seus amigos e até de sua fé e  que precisa do suporte necessário para enfrentar situações difíceis. 

Como grande parte dos brasileiros tem uma religião, a assistência religiosa é de grande relevância, principalmente em casos de internação, em que o indivíduo tem limitado convívio social e se torna mais vulnerável a mazelas físicas e psicológicas.

Em situação de internação hospitalar, os indivíduos precisam enfrentar tanto as complicações da própria enfermidade – dor, angústia, medo – quanto a distância da família e dos amigos. 

Em contextos dessa natureza, estudos apontam que o exercício da fé e da religião podem ajudar o indivíduo a lidar com o estresse gerado pela condição, inclusive aliviando as consequências emocionais negativas. Assim, a prática religiosa, nesse cenário, pode contribuir para a melhora de sua saúde mental e bem-estar psicológico.

Seu Papel na Ressocialização

No caso daquelas pessoas que agiram contra a lei e são privadas de seus direitos civis e de liberdade, a religião pode ser uma aliada no processo de educação e ressocialização nas prisões, despertando nos internos sentimentos antagônicos aos maus tratos eventualmente cometidos e sofridos.

Para a pesquisadora penal Fernanda T. Tomé, a religião pode devolver ao indivíduo o sentido da existência, reforçando a importância da solidariedade e de amar o próximo. Segundo ela, esses sentimentos são fundamentais para a ressocialização da pessoa que está presa e pode ajudar a superar dores, perdas e vícios.

Segundo a pesquisa realizada por Fernanda no presídio regional de Santa Maria (RS), de 39 detentos que se livraram do álcool e das drogas, 17 afirmaram que a religiosidade foi decisiva na superação do vício e na mudança de perspectiva de vida, com novos princípios e valores. Ela também constatou que, entre os presos que são religiosos, as penas disciplinares são muito mais baixas quando comparadas com aqueles que não praticam nenhuma religião.

 

A HISTÓRIA DO DIREITO À ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

A assistência religiosa no Brasil foi instituída pela primeira vez para as forças armadas, ainda no Segundo Reinado, por meio do Decreto n. 747, de 24 de dezembro de 1850. Entretanto, foi só na Constituição de 1934 que esse direito foi garantido de forma mais ampla. 

Veja o que diziam as Constituições anteriores à de 1988 sobre o assunto:

  • Constituição de 1934: “Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais, sem ônus para os cofres públicos, nem constrangimento ou coação dos assistidos. Nas expedições militares, a assistência religiosa só poderá ser exercida por sacerdotes brasileiros natos”.
  • Constituição de 1946: “Sem constrangimento dos favorecidos, será prestada por brasileiro (art. 129, nos I e II) assistência religiosa às forças armadas e, quando solicitada pelos interessados ou seus representantes legais, também nos estabelecimentos de internação coletiva”.
  • Constituição de 1967: “Sem constrangimento dos favorecidos, será prestada por brasileiros, nos termos da lei, assistência religiosa às forças armadas e auxiliares e, quando solicitada pelos interessados ou seus representantes legais, também nos estabelecimentos de internação coletiva”.
  • Emenda Constitucional nº 01/1969: “Sem caráter de obrigatoriedade, será prestada por brasileiros, nos termos da lei, assistência religiosa às forças armadas e auxiliares, e, nos estabelecimentos de internação coletiva, aos interessados que solicitarem, diretamente ou por intermédio de seus representantes legais.”

UM DIREITO ESSENCIAL PARA NOSSA REALIDADE

Neste texto, aprendemos o que é a assistência religiosa e como se aplica esse direito em nosso país. Segundo a Constituição Federal de 1988, devem ter direito ao exercício da religiosidade e da assistência de líderes religiosos todos aqueles que estiverem em estabelecimentos de internação coletiva – prisões, hospitais e unidades militares –, independentemente da crença.

Em um país onde cerca de 90% dos cidadãos declaram-se religiosos, a garantia do direito a essa assistência se torna fundamental. Além disso, estudos apontam que a religião pode ajudar na ressocialização daqueles que cometeram algum tipo de crime e foram privados de seus direitos civis e de sua liberdade.

Logo, para a realidade sociocultural do Brasil, a assistência religiosa faz-se necessária não somente como pilar para a superação de obstáculos por parte dos internos, mas também como ferramenta de reintegração social para o Estado.

  • Esse conteúdo foi publicado originalmente em junho/2019 e atualizado em agosto/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.

Sobre os autores

Felipe Kachan

Advogado de Mercado de Capitais

Talita de Carvalho

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!


Fontes

CF88 – Art. 5º, VI, VII e VIII (Liberdade de Crença, assistência religiosa, escusa de consciência)

Minuto Constitucional

Jurisway – Análise do artigo 5º CF doutrina e jurisprudência

Jusbrasil – Qual é a lei que ampara pastor prestar assistência religiosa em hospitais e assemelhados, sejam públicos ou privados, civis ou militares?

Jusbrasil – Religião como um meio de ressocializar o apenado

A importância da religião na ressocialização de detentos no presídio regional de Santa Maria/RS – Fernanda Terezinha Tomé

USP – Aspectos éticos e legais da assistência religiosa em hospitais psiquiátricos

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