Artigo Quinto

PUBLICADO EM:
fevereiro 11, 2020

COMPARTILHE:

Inciso XXXVI – Princípio da segurança jurídica

"A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA: UMA GARANTIA FUNDAMENTAL

Você sabe o que é o Princípio da Segurança Jurídica? Não? Esse é um direito fundamental previsto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, que contribui com a democracia e preserva a estabilidade das relações jurídicas. Dessa forma, essa é uma garantia de extrema importância para o exercício da cidadania, visto que é por meio dela que os direitos concedidos àqueles que estão submetidos à lei brasileira são protegidos.

Quer saber mais detalhadamente como a Constituição define este conceito e por que ele é tão importante, bem como a história dessa garantia e como ela é aplicada na prática? Continue Conosco! A Politize!, em parceria com a Civicus e com o Instituto Mattos Filho, irá descomplicar mais um direito fundamental nessa série do projeto “Artigo Quinto”.

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do Artigo Quinto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos, com uma linguagem clara.

O QUE O INCISO XXXVI DETERMINA, EXATAMENTE?

O inciso XXXVI do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, afirma que:

 a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

O princípio da segurança jurídica é um direito fundamental previsto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que contribui para preservar a estabilidade das relações jurídicas. Essa garantia protege situações jurídicas consolidadas, mesmo diante de alterações legislativas.

Em regra, as leis são feitas para disciplinar situações futuras, ou seja, uma lei passa a valer apenas depois do momento em que ela foi decretada. Entretanto, é possível que as leis também incidam sobre situações passadas ou mudem a forma pelas quais elas eram reguladas. 

Nesses casos, leis novas não podem tirar das pessoas os direitos que elas adquiriram por meio da lei antiga. Isso vale até mesmo para as chamadas leis de ordem pública – aquelas que mantêm a sociedade em funcionamento e que não podem ser alteradas por interesse individual.

Nesse contexto, o inciso XXXVI garante o direito fundamental da segurança jurídica. Esse princípio assegura que determinadas situações disciplinadas por uma lei continuarão protegidas mesmo que essa lei seja revogada ou substituída por outra.

As situações protegidas por esse direito são divididas em três categorias: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Vejamos o que cada um desses termos significa:

  • Direito adquirido: imagine que uma pessoa já tenha o direito de se aposentar, mas decida continuar trabalhando. Se uma lei nova mudar as regras para a aposentadoria – aumentando o número de anos de contribuição necessários, por exemplo –, o direito daquela pessoa de se aposentar após determinado número de anos não pode ser alterado. Isso porque ela já tinha o direito de se aposentar incorporado ao seu patrimônio jurídico, embora ainda não o tivesse exercido. Dessa maneira, um direito antes adquirido não pode ser retirado de um cidadão.
  • Ato jurídico perfeito: é o ato validamente realizado sob a vigência de uma lei que depois foi revogada ou modificada. Um bom exemplo para essa situação é o casamento: se uma lei nova modifica as regras de validade do casamento – aumentando a idade mínima, por exemplo –, as pessoas que já tinham se casado, quando a lei anterior ainda era válida, permanecerão casadas, mesmo que esse casamento não respeite as novas regras de idade mínima. Como o casamento é um ato jurídico perfeito, seus efeitos serão protegidos mesmo que as regras sejam modificadas após a sua celebração.
  • Coisa julgada: é a autoridade das decisões do poder judiciário. Isso significa que, depois que o processo acaba, sem a possibilidade de novos recursos, aquilo que foi decidido pelo juiz, em princípio, não pode mais ser modificado nem mesmo por uma lei. Contudo, existem algumas exceções para a regra da coisa julgada, por exemplo, a descoberta de fraude realizada pelas partes; o surgimento de uma nova prova importante; o juiz ter sido corrupto ou não ter autoridade para julgar o caso, dentre outros.

O HISTÓRICO DA SEGURANÇA JURÍDICA

A proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada é norma tradicional do direito brasileiro. Desde 1934 – exceto pela Constituição de 1937 –, todas as Constituições federais previram normas semelhantes  à do inciso XXXVI do artigo 5º. 

A omissão dessa norma pela Constituição de 1937 – conhecida como “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês – coincide com a instituição do Estado Novo pelo presidente Getúlio Vargas. Esse foi um regime autoritário que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial

Nesse período, vários direitos fundamentais foram suprimidos para aumentar o poder do presidente, incluindo o princípio da segurança jurídica, concedendo ao governo poderes amplos.

Com o fim do Estado Novo, a Constituição de 1946 restaurou a norma de proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, restabelecendo a tradição do direito brasileiro de garantir a segurança jurídica. Nesse sentido, cabe frisar que esse direito é de extrema importância para a existência de estabilidade das relações jurídicas, visto que protege situações já consolidadas e direitos já conquistados de um possível governo autoritário que decida suprimi-los.

QUAL É A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA?

A relevância do princípio da segurança jurídica deriva essencialmente de dois pontos: a garantia da estabilidade das relações jurídicas e a sua importância para a manutenção da democracia. Isso porque a segurança jurídica representa a proteção das decisões que já foram tomadas e dos direitos já  conquistados.

Nesse sentido, o inciso XXXVI do artigo 5º pode ser aplicado em várias situações, visando a proteger um direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada. Veja alguns exemplos:

  • Os aposentados, por exemplo, têm o direito de receber seus benefícios de acordo com a lei vigente na época em que atingiram os requisitos para se aposentar, ainda que a aposentadoria só tenha sido solicitada depois da edição de uma lei menos favorável. Assim, a reforma da Previdência — situação pela qual passamos recentemente no Brasil — não pôde atingir aqueles que já tinham o direito de se aposentar segundo a lei antiga. Esse é um caso de direito adquirido.
  • Em relação à caderneta de poupança, a legislação que diminui o índice de correção monetária não pode ser aplicada ao período já iniciado para aquisição da correção. Vale lembrar que isso só vale quando existe um contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento financeiro, pois esse contrato é considerado um caso de ato jurídico perfeito.
  • As regras dos contratos privados de assistência à saúde já realizados não podem ser modificadas unilateralmente pelas empresas por causa da edição de uma nova lei, pois os contratos firmados de acordo com a legislação são considerados um ato jurídico perfeito.
  • A decisão judicial, a princípio, não pode ser modificada, ainda que venha a ser considerada injusta, pois é protegida pela coisa julgada.

O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NA PRÁTICA

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942) define, em seu artigo 6º, os conceitos de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – dos quais já tratamos neste texto. 

Embora o significado desses conceitos seja matéria de lei infraconstitucional, o direito de segurança jurídica em si tem hierarquia constitucional. Assim, não pode ser revogado por lei ou mesmo por emenda constitucional. 

A coisa julgada é regulada também pelo Código de Processo Civil – CPC (Lei n. 13.105/2015). O seu artigo 966 traz exceções à sua proteção. Em suma, até dois anos após a formação da coisa julgada, a parte interessada em obter um novo julgamento do caso pode entrar com uma ação – chamada de ação rescisória – para pedir a modificação da decisão que:

  • foi proferida por força de prevaricação (quando um funcionário público retarda, deixa de praticar ou pratica indevidamente o seu trabalho), concussão (quando o funcionário público exige propina para praticar algum ato) ou corrupção do juiz;
  • foi proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente para julgar aquele caso;
  • resultou de dolo (fraude) ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão (fraude coletiva) entre as partes, a fim de fraudar a lei;
  • ofendeu coisa julgada anterior;
  • violou manifestamente uma norma jurídica;
  • foi fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
  • foi fundada em erro de fato verificável do exame do próprio processo. 

Além dos casos citados, a ação rescisória também pode ser proposta quando a parte interessada obtém uma nova prova, cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso. Nesse caso, o prazo para entrar com ação é de dois anos após a descoberta da prova, respeitado o limite máximo de cinco anos após a formação da coisa julgada.

Outra hipótese de cabimento da ação rescisória é quando a lei em que se baseia a decisão é declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso, a ação rescisória deve ser julgada dentro de dois anos após a declaração de inconstitucionalidade (artigo 525, §§ 12 e 15, do CPC).

Por fim, em casos excepcionais, a coisa julgada pode ser afastada mesmo fora do prazo da ação rescisória. Foi o que aconteceu com as ações de reconhecimento de paternidade após o surgimento dos testes de DNA. Uma vez que a ciência viabilizou uma prova que conferia 100% de certeza a respeito da paternidade, o poder judiciário brasileiro entendeu que seria injusto preservar a coisa julgada das ações que foram apreciadas antes do surgimento dessa prova definitiva.

CONCLUSÃO

Como podemos perceber, o princípio da segurança jurídica é de extrema importância para a legislação brasileira. E você? Já sabia que tinha esse direito garantido? Agora que já conhece o princípio da segurança jurídica, que tal disseminar esse conhecimento? Compartilhe esse conteúdo com seus amigos e dê sua opinião nos comentários!


Esse conteúdo foi publicado originalmente em fevereiro/2020 e atualizado em setembro/2023 com objetivo de democratizar o conhecimento jurídico sobre o tema de forma simples para toda população. Para acessar maiores detalhes técnicos sobre o assunto, acesse o Livro do Projeto Artigo Quinto.


Autores

Bruno Araujo França

Laura Lambert da Costa

Mariana Mativi

Matheus Silveira


Fontes

Instituto Mattos Filho de Advocacia;

Artigo 5° da Constituição Federal – Senado;

Artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Planalto;

Artigo 966 do Código de Processo Civil – Planalto

A Politize! precisa de você. Sua doação será convertida em ações de impacto social positivo para fortalecer a nossa democracia. Seja parte da solução!

Pular para o conteúdo