Ciência Política: 4 conceitos fundamentais

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Foto: Reprodução/Caminhos de Sophia.

Quantas vezes você já ouviu nomes como Maquiavel, Rousseau e Hobbes ou se deparou com debates sobre direitos no seu dia a dia? Aposto que inúmeras! É muito comum o uso de ideias e expressões vindas da Ciência Política no nosso cotidiano. Mas você sabe o que elas significam? Se a resposta for não, tudo bem: este texto servirá como uma introdução para você que quer começar a entender a Ciência Política. Vamos apresentar quatro conceitos básicos dessa ciência: cidade, cidadania, direitos e Estado.

O QUE É A CIÊNCIA POLÍTICA?

Por estar relacionada a conceitos abstratos, como o de política e poder, a definição de Ciência Política é bastante discutida entre especialistas. É possível descrevê-la brevemente como a área de estudos que procura interpretar os diversos aspectos da comunidade política (uma comunidade é considerada “política” quando é autossuficiente: controla os meios de violência, financia as atividades de seus habitantes e possui membros dispostos a mantê-la). Para isso, dedica-se a entender tanto o processo de formação da comunidade política, quanto instituições, práticas e relações que moldam a vida pública.

1) A CIDADE E O SURGIMENTO DA COMUNIDADE POLÍTICA

Foto: Pixabay.

O surgimento das cidades tem relação direta com a comunidade política. E para entender o papel das cidades, é preciso entender a função da religião, que segundo o historiador francês F. de Coulanges, teria tido papel fundamental para esse processo. No princípio da história humana, quando existiam apenas pequenos grupos humanos isolados entre si, a religião regulava a conduta humana somente no nível doméstico. Mas essa influência foi ampliada à medida que esses pequenos grupos de indivíduos se uniram: apesar da relação mais intimista com a religião, era comum a união entre famílias que possuíssem cultos similares, possibilitando o surgimento de sociedades cada vez mais amplas e abrangentes. Assim, a estrutura social da religião passou a servir como modelo para a estrutura social da comunidade política que se formava.

Até que a aproximação entre os pequenos grupos e a construção de templos religiosos (que agora atendiam a todos, devido à similaridade entre cultos) formou a cidade – que aqui pode ser entendida como uma área urbanizada responsável por aglomerar um número significativo de indivíduos (de poucas centenas até milhões) e acolhe o corpo administrativo da sociedade que a habita. Acompanhando esse crescimento, os pequenos governos familiares se tornaram o governo da cidade (com a palavra “governo”, a Ciência Política se refere ao mecanismo pelo qual o corpo governante – ministros, deputados, prefeitos, etc – exerce sua autoridade; o governo é um fator essencial para o funcionamento de qualquer sociedade).

Na cidade antiga, o líder local não dependia da força material: sua autoridade era sustentada pela religião. Nota-se, nessa situação, a presença de um conceito primordial na Ciência Política: a legitimidade. A noção de legitimidade está diretamente relacionada ao funcionamento da sociedade: apenas com um amplo consenso, uma noção de comunidade e uma genuína disposição por parte de seus membros para viverem segundo certas regras tradicionais e aceitarem as decisões das autoridades legítimas, seria possível o andamento de uma sociedade.

A religião só deixou de regular a ordem das sociedades após muitas revoluções e mudanças de paradigmas sociais. Foi preciso que a humanidade descobrisse outros princípios e laços sociais que também garantissem sua união, para que o governo se tornasse ainda mais abrangente e fosse regulado por outras leis.

Leia também: por que a política pode ser entendida como a gestão de conflitos sociais

2) CIDADANIA: O CIDADÃO E SEU PAPEL NA COMUNIDADE

Foto: Pete Souza/Casa Branca.

Um fator constante na Ciência Política, e que é ligado à ideia de cidade, é a reflexão sobre o significado da cidadania. Quem seria o cidadão? Qual seria sua importância dentro da comunidade política? Essas são questões que sempre alimentam debates.

De acordo com o historiador americano Moses Finley, na Grécia (onde a história política teria se iniciado, segundo a tradição ocidental), entendia-se que a cidade era moldada e viabilizada pelos cidadãos: havia um governo e um conjunto de normas, como em várias outras sociedades, mas o seu principal diferencial se encontrava na não existência de uma autoridade soberana: a fonte de autoridade era a própria comunidade.

O filósofo político italiano Nicolau Maquiavel, considerado um dos fundadores da Ciência Política moderna, também ressaltou a importância do cidadão na sua obra. Segundo ele, o povo seria responsável pela preservação da comunidade, já que, para o autor, o Estado (entendido como unidade política soberana, com estrutura própria e politicamente organizada, diferente de “governo”) tenderia de forma natural à ruína.

Mas quem seria o cidadão? Na cidade antiga (nas épocas de gregos e romanos), as normas da sociedade eram pautadas pela religião e por isso, era considerado cidadão o indivíduo que participava do culto da cidade. Devido à impossibilidade de pertencer a duas religiões distintas ao mesmo tempo, não era possível ter “dupla cidadania”. A participação no culto era vista como essencial, pois garantia os direitos civis. Consequentemente, os estrangeiros careciam desses direitos, uma vez que o acesso ao culto lhes era proibido. Já em Atenas, durante o período democrático, não eram concedidos direitos às mulheres, crianças, escravos, migrantes e imigrantes, pois eles não eram considerados cidadãos.

Atualmente, entendemos o cidadão como um membro do Estado que usufrui de direitos civis e políticos, e que desempenha deveres que lhe são atribuídos pela sociedade a qual pertence. Nesse caso, a ideia de “membro do Estado” não se limita àqueles que nasceram no território nacional. No Brasil, por exemplo, um estrangeiro pode obter a cidadania brasileira em determinadas circunstâncias, que você pode conferir aqui.

Mais: como funcionava a democracia direta de Atenas

3) DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

A noção de cidadania está diretamente ligada aos direitos civis e políticos. Os teóricos conhecidos como contratualistas, por exemplo, associam a inauguração da sociedade civil à necessidade humana de garantir seus direitos básicos. Por serem indispensáveis para uma vida minimamente adequada, os seres humanos teriam concordado em se organizar socialmente e em se submeter a uma autoridade soberana, em troca da garantia dos direitos básicos. Para que essa sociedade funcionasse de modo apropriado, teriam sido criados os direitos civis.

A diferença entre direitos básicos e direitos civis seria a seguinte: enquanto os direitos básicos são aplicáveis a qualquer indivíduo, independente da existência de uma sociedade ou não, os direitos civis são próprios de uma comunidade política. Não há qualquer consenso quanto a quais direitos seriam “básicos” e quais seriam “civis”, pois esses variam de acordo com o contexto histórico em que a sociedade se encontra.

Já os direitos políticos dizem respeito à atuação do cidadão na vida pública de determinado país – ou seja, eles garantem a sua participação no processo político. É importante mencionar que esses direitos nem sempre são promovidos. Durante a Ditadura Militar, por exemplo, era negado um dos direitos políticos mais conhecidos: a livre expressão de opinião.

4) O ESTADO

Foto: Fabiana Domingues de Lima/Wikimedia Commons.

Dentre as diversas contribuições que vários autores fornecem para o ramo da Ciência Política, a análise do Estado é uma das mais frequentes. Assim como acontece com muitos objetos de estudo dessa área, o Estado é interpretado de maneiras diferentes por diversos autores, não se limitando à definição apresentada anteriormente neste texto. Para o alemão Max Weber, por exemplo, o Estado seria uma comunidade de indivíduos que concede aos seus representantes (ou seja, ao corpo governamental) a capacidade exclusiva de se utilizar da força para regular a vivência em sociedade – controlando, desse modo, a conduta de cada um dos habitantes. Essa capacidade ficou conhecida como monopólio da violência.

Contudo, os autores da Ciência Política não se limitam apenas à tarefa de definir o Estado. É bastante recorrente que eles busquem entender também como ele se organiza. A partir do cenário político em que estão inseridos, é comum que os teóricos mostrem preferência por certo sistema de governo e/ou forma de governo. O sistema de governo diz respeito à forma em que o corpo governamental se organiza – nas últimas décadas, os modelos mais recorrentes têm sido: o parlamentarista, o presidencialista e o semipresidencialista. Já a forma de governo se refere à maneira como se dá a relação entre governantes e governados (monárquica, republicana ou aristocrática).

No livro “O Príncipe”, por exemplo, Nicolau Maquiavel afirma que a melhor forma de governo possível seria a republicana, pois garantiria a liberdade de todos ao permitir que os cidadãos participem da formulação das leis. Por outro lado, Thomas Hobbes e Jean Bodin mostraram preferência pela monarquia. Segundo Bodin, a superioridade dessa forma de governo estaria na sua capacidade de facilitar o exercício da soberania, uma vez que ela estaria sob o controle de apenas um indivíduo.

Como você provavelmente notou até aqui, a Ciência Política é uma área bastante extensa, complexa e extremamente interessante! Esta introdução serve apenas como um primeiro passo para os seus estudos. Outros conceitos igualmente importantes podem ser acrescentados a essa lista. Visando aprofundar o seu conhecimento, recomendamos buscar entender a diferença entre os sistemas de governo e os contrastes entre república e monarquia, e pesquisar sobre os direitos civis brasileiros. Considerando a riqueza dessa ciência, há diversos caminhos a serem explorados!

Fontes:

Cidadania brasileira: como se tornar um cidadão do Brasil – Comunidade política – Conceito de cidade – Coulanges: “A cidade antiga” (1981) – Concepção de Estado para Durkheim e Weber – Formas de governo – John Locke – Moses Finley: “O legado da Grécia: uma nova avaliação” (1981) – Regimes políticos – João Ribeiro: “Política: quem manda, por que manda, como manda” (1998).

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Conteúdo escrito por:
Estudante de Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Suas principais áreas de interesse são o Jornalismo Internacional e a História das Relações Internacionais. Redator voluntário do Politize!.

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