O Direito Internacional Humanitário protege civis, enfermos, feridos, náufragos, prisioneiros de guerra e pessoas detidas durante a ocorrência de conflitos armados.
Neste ano, essas funções se tornaram ainda mais importantes diante a crise de saúde pública global vivida em 2020. A partir disso, foram estabelecidos alguns parâmetros de defesa aos grupos de pessoas que além de lidarem com as consequências de guerras também lidam com o surto pandêmico de COVID-19.
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O Direito Internacional Humanitário
O Direito Internacional Humanitário (DIH) ou Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) faz parte do Direito Internacional e é considerado um sistema de direito universal – afinal, dos 193 países aglutinados à ONU, 185 estão de acordo com as regras e princípios desse ramo.
Reconhecendo os impactos do uso da força e da violência armada, surgiram esforços e tentativas de limitar os impactos dessas arbitrariedades, proteger o ser humano e reduzir os sofrimentos induzidos pelas guerras. Isso significa que todos esses países se comprometeram a “respeitar e fazer respeitar” as regras e as condições nas quais é lícito o uso da força entre nações através de um conceito da “guerra justa”. Para saber mais sobre Direito humanitário e os limites da guerra, acesse nosso conteúdo.
Desta forma, esse ramo rege as relações entre Estados (países) e é constituído por acordos, tratados ou convenções em que todos os signatários aceitam os princípios gerais e costumes como obrigações legais.
Assim, muitas normas do DIH se tornaram essenciais diante a ocorrência de guerras e enfrentamentos de todo gênero pelo mundo e são aceitas atualmente como Direito Consuetudinário, ou seja, regras gerais que se aplicam a todos os Estados.
O DIH é amparado pelo conjunto de leis originário das quatro Convenções de Genebra (1949) e seus Protocolos Adicionais (1977) e pela Convenção de Haia (1954) que protege o patrimônio cultural em tempo de conflito armado. Existem também acordos que proíbem o uso de certas armas e táticas militares, entre as quais as Convenções de Haia de 1907, a Convenção das Armas Bacteriológicas (Biológicas) de 1972, a Convenção das Armas Convencionais (1980) e a Convenção das Armas Químicas (1993).
Leia também: o que são Tratados Internacionais?
De maneira geral, o DIH estabelece:
- a proteção as pessoas que não participam no combate, os civis bem como aqueles que foram feridos, naufragaram, que estão doentes ou que foram feitos prisioneiros de guerra;
- que as pessoas protegidas não devem ser atacadas, sofrerem maus-tratos físicos ou tratamentos degradantes;
- os feridos e doentes devem ser recolhidos e tratados;
- aos indivíduos que foram feitos prisioneiros ou que forem detidos devem ser assegurados a provisão de alimentação adequada, abrigo e garantias jurídicas;
- certos locais e objetos, tais como hospitais e ambulâncias estão igualmente protegidos e não devem ser atacados;
Ademais, emblemas e sinais facilmente reconhecíveis como, por exemplo, a cruz vermelha e o crescente vermelho são utilizados para identificar pessoas e locais protegidos.
A Comissão Internacional da Cruz Vermelha (CICV), fundada em 1863 por cinco grandes famílias que se uniram para apresentar propostas de como auxiliar os soldados e civis que precisavam de suporte devido a Batalha de Solferino, pode ser considerada das maiores organizações atuantes em Direitos Humanitários ao redor do mundo.
É importante diferenciar o DIH do Direito Internacional dos Direitos Humanos mesmo que algumas de suas normas sejam idênticas. Além de serem ramos diferentes do Direito, seus processos de desenvolvimento são diferentes e suas normas constam em tratados diferentes.
Afinal, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é aplicado em tempo de paz enquanto as regras do DIH são aplicáveis somente após o início de um conflito e, independentemente, de quem começou as hostilidades, aplicam-se uniformemente a todas as partes envolvidas.
Outras vertentes de atuação do Direito Humanitário
Além de proteger civis, enfermos, feridos, náufragos, prisioneiros de guerra e até objetos civis, o DIH também menciona grupos específicos de proteção entre os civis, tais como:
- as mulheres, que são protegidas contra o abuso sexual;
- as crianças, cujas necessidades especiais devem ser consideradas pelos combatentes;
- os refugiados, deslocados internos e aqueles que desapareceram como resultado de conflito armado; e,
- os trabalhadores humanitários, como as equipe da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho;
Crise de saúde pública global em 2020
Em 2020, o mundo encara um vírus que não conhece fronteiras e não faz distinção de raça, classe, gênero ou orientação sexual para sua contaminação.
A COVID-19 representa, portanto, uma grande ameaça à vida em diversos países. A doença sobrecarregou sistemas de assistência à saúde avançadíssimos e mostrou a problemática ainda mais caótica em comunidades mais vulneráveis ao redor do mundo.
Em países que estavam em conflito, apesar de pedidos de trégua e cessar fogo, a pandemia não paralisou, tampouco atenuou muitos dos conflitos armados já existentes.
Os sistemas de saúde debilitados pelos conflitos têm menor capacidade de detecção, gestão e acompanhamento de casos da doença, o que aumenta o risco de transmissão.
Em campos de deslocados, o distanciamento físico não é possível, já que as pessoas deslocadas pelos conflitos vivem muito próximas entre si e em locais onde recursos que salvam vidas, como água potável, sabão e remédios são escassos.
Assim, há um temor de que o vírus se espalhe de forma rápida e brutal e de difícil contenção, pois é mais complicado rastrear e isolar casos suspeitos quando as pessoas deixam as suas casas devido à violência.
Por isso, o trabalho de proteger e assistir as vítimas do conflito durante a pandemia se tornou essencial neste momento.
Medidas humanitárias durante a pandemia
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lançou em março deste ano, um plano de resposta humanitária global de 2 bilhões de dólares para lutar contra a COVID-19, proteger milhões de pessoas e reduzir a disseminação do vírus no mundo em países mais vulneráveis.
O plano contempla 51 países de América do Sul, África, Oriente Médio e Ásia e será implementado pelas agências da ONU, com Organizações Não Governamentais (ONGs) internacionais.
Algumas das medidas previstas incluem:
- a entrega de equipamento laboratorial essencial para testes do vírus e suprimentos médicos para tratamento das pessoas;
- instalação de estações para lavagem das mãos em acampamentos e assentamentos;
- lançamento de campanhas de informação pública sobre como se proteger e proteger aos outros do vírus;
- estabelecimento de pontes aéreas e “hubs” na África, Ásia e América Latina para levar trabalhadores humanitários e suprimentos onde for mais necessário;
A Comissão Internacional da Cruz Vermelha embora prossiga com seu trabalho nas zonas de conflito, também está reorientando as suas atividades para a prevenção e a assistência relativas à pandemia COVID-19.
Segundo o documento publicado sobre Direito Internacional Humanitário e COVID-19 (COVID-19 and International Humanitarian Law), apresentado pela Comissão, é essencial que as principais disposições do DIH sejam respeitadas para que as necessidades das comunidades, dos profissionais de saúde e das autoridades durante esse momento sem possam ser adequadamente atendidas.
Entre algumas disposições do DIH podem ser particularmente relevantes durante a pandemia de COVID-19, tais como:
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o pessoal médico, as unidades e os transportes destinados exclusivamente para fins médicos devem ser respeitados e protegidos em todas as circunstâncias. Em territórios ocupados, a potência ocupante deve assegurar e manter estabelecimentos e serviços médico-hospitalares, de saúde pública e higiene. Além disso, o DIH prevê a possibilidade de instalação de zonas hospitalares que possam ser dedicadas ao enfrentamento da crise atual;
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deve-se ter um cuidado com a preservação de objetos civis, incluindo redes e instalações de abastecimento de água, pois essas são de importância crítica durante a crise atual. Em situações de conflito armado, muitas dessas são destruídas por combates ao longo dos anos e qualquer interrupção significa que milhares de civis não serão mais capazes de implementar as medidas básicas de prevenção, como lavar as mãos com frequência, o que pode levar a uma maior disseminação do vírus. O DIH proíbe expressamente atacar, destruir, remover ou tornar inúteis objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil, incluindo instalações e suprimentos de água potável;
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ações humanitárias para salvar vidas durante a crise em curso. De acordo com o DIH, cada parte de um conflito armado tem a responsabilidade de atender às necessidades básicas da população sob seu controle, e Organizações humanitárias imparciais têm o direito de oferecer seus serviços. Quando os esquemas de ajuda são acordados pelas partes interessadas, as partes no conflito armado devem permitir e facilitar a passagem rápida e desimpedida da ajuda humanitária para permitir que as vítimas tenham acesso a bens e serviços humanitários principalmente durante a pandemia;
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certos grupos de pessoas, incluindo idosos, aqueles com sistema imunológico enfraquecido ou com problemas de saúde pré-existentes, devem receber, na medida do possível e com o mínimo de demora possível, os cuidados médicos exigidos pela sua condição. O DIH exige que as partes em conflito respeitem e protejam os feridos, doentes, idosos e pessoas com deficiência, bem como tomem todas as medidas possíveis para buscá-los, recolhê-los e evacuá-los, sem distinção adversa, sempre que as circunstâncias permitirem e sem demora;
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a saúde e a higiene dos detidos devem ser protegidas, e os detidos doentes devem receber os cuidados médicos e cuidados exigidos por sua condição. Na situação atual, os recém-chegados devem ser testados para o vírus e as medidas de higiene devem ser aumentadas (por exemplo, instalando estações de lavagem das mãos, fornecendo sabão e outros equipamentos de lavagem e criando enfermarias de isolamento), a fim de evitar a propagação da doença;
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os civis deslocados têm direito a abrigo, higiene, saúde, segurança e nutrição. Pessoas que enfrentam surtos de COVID-19 em campos de refugiados ou abrigos provisórios, podem ter como objetivo se mudar para um local seguro, levando as populações locais e / ou autoridades a reagir com força para contê-los, inclusive transformando os campos em centros de detenção isolados. O DIH protege todos os civis contra os efeitos das hostilidades armadas e contra a privação arbitrária de liberdade, e proporciona seu acesso aos cuidados de saúde sem discriminação. Todas as regras gerais que abrangem a população civil;
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atenção a crianças e educação. Muitas escolas foram temporariamente fechadas para evitar a disseminação do COVID-19. Embora seja uma medida preventiva importante, isso coloca a continuidade da educação sob pressão adicional em contextos onde a educação pode já ter sido interrompida por conflitos armados. O DIH contém regras que exigem que as partes em conflito facilitem o acesso à educação, e a prática do Estado indica a inclusão do acesso à educação no respeito especial e na proteção a que as crianças têm direito de acordo com o direito consuetudinário. São urgentemente necessárias medidas para garantir que a educação não seja interrompida e que as crianças possam aprender em casa;
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Regimes de sanções e outras medidas restritivas. A atual crise do COVID-19 requer a mobilização de recursos humanitários significativos que muitas vezes faltam nos países afetados por conflitos armados. As sanções e outras medidas restritivas em vigor podem impedir a ação humanitária imparcial nessas áreas, em detrimento dos mais vulneráveis. Os regimes de sanções e outras medidas restritivas que impedem as organizações humanitárias imparciais, de realizar suas atividades incompatíveis com a letra e o espírito do DIH. Os Estados e as organizações internacionais que aplicam tais medidas devem certificar-se de que são consistentes com o DIH e não têm um impacto adverso nas respostas humanitárias de princípio ao COVID-19.
Desafios
Em um artigo de opinião, Alexandre Zouev, secretário-geral assistente da ONU diz que a COVID-19 traz importantes desafios na aplicação da lei em diversos países e que, embora a pandemia seja uma crise de saúde pública, há desafios relacionados a ela que envolvem a aplicação da lei nas sociedades.
Segundo o Secretário, são várias questões a serem consideradas, porém, em relação ao Direito humanitário,
a pandemia oferece oportunidades para grupos armados, incluindo organizações terroristas, desacreditarem instituições estatais, explorarem lacunas nos serviços públicos e capitalizarem indignação pública, por exemplo, com o fechamento de locais de culto. Como algumas equipes de segurança enfrentam capacidade operacional reduzida devido à exposição inevitável ao vírus e novas responsabilidades concorrentes, alguns grupos armados estão consolidando e estendendo o controle sobre territórios.
Esses desafios podem minar severamente a legitimidade dos governos, algo crítico para a efetiva mitigação e contenção durante crises de saúde pública (…). Portanto, é de interesse dos governos garantir que restrições emergenciais de direitos sejam necessárias, proporcionais, legais e com prazo determinado.
Sendo assim, as ferramentas práticas desenvolvidas pelas Nações Unidas para mitigar a disseminação do COVID-19 devem ser sustentadas e consolidadas enquanto o vírus ainda está se espalhando. A longo prazo, a pandemia — assim como qualquer crise — também pode oferecer oportunidades para a realização de mudanças necessárias nos sistemas legais e nas práticas de aplicação da lei.
Por fim, como afirma Zouev, “prevenir conflitos é talvez um imperativo agora mais do que nunca”.
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REFERÊNCIAS
Comitê Internacional da Cruz Vermelha
O direito internacional humanitário
1 comentário em “Entenda tudo sobre o Direito Internacional Humanitário!”
Um tema bastante elucidativo, com uma linguagem clara, precisa e sucinta. No meu Pais, Mocambique, vive-se um confronto armado com os insurgentes islamicos, denominado Al Shabab, portanto, terei algumas nocoes para artigos que tenho em manga para efeitos de publicacao.
Direito Internacional Humanitario, desperta curiosidades nos ultimos tempos, pois muitos estao expectantes em perceber as leis da guerra, como e o caso de Invasao russa na Ucrania. O tratamento a dar aos prisioneiros de guerra.
Fenomenal